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Honorário de sucumbência é incentivo a advogado público
Tramita atualmente na Câmara dos Deputados o Projeto do Novo Código de Processo, o qual está em fase final de discussão, cuja votação em plenário está agendada para esta terça-feira (05/11).
Um ponto que tem suscitado uma polêmica peculiar é o relativo aos honorários de sucumbência, especialmente em relação aos advogados públicos. As vozes opositoras a tal pleito, dentre outros pontos, afirmam que se trataria que questão meramente remuneratória e que o CPC não poderia descer a esse tipo de minúcia.
Mas será se essa argumentação procede?
Para uma resposta, precisamos analisar o instituto dos honorários de sucumbência à luz dos princípios do novo Código e da sistemática por ele proposta.
Como é bem conhecido na comunidade jurídica brasileira, uma das principais diretrizes do projeto do novo CPC é a valorização dos precedentes. E isso tem uma razão de ser: precisamos desafogar o Poder Judiciário e inibir a proposição de demandas que já tenham sido decididas para permitir justamente que tal ramo constitucional faça o que realmente deve fazer. Vários institutos estão sendo desenvolvidos para tratar da questão, dentre os quais se destaca, por exemplo, o chamado Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR).
E o que seria isso que o Judiciário deve fazer? Numa casca de noz: resolver conflitos jurisdicionais que tenham por base alguma controvérsia (decorrentes de lacunas, antinomias, ambiguidades etc.) sobre a interpretação e a aplicação de normas jurídicas. É dizer: quando estivermos numa situação de indefinição sobre o alcance concreto de uma regra jurídica, teremos o momento em que a emissão, pelo Poder Judiciário, de um entendimento que ponha fim a tal dúvida trará as consequências sociais mais benéficas[1].
Bom, mas o leitor pode estar se perguntando: o que essa verborragia toda tem a ver com os honorários de sucumbência?
Vamos direto ao ponto:
A resposta está relacionada justamente ao momento em que os precedentes são formados. E nesse âmbito, a formação de precedentes pode ser encarada como uma verdadeira disputa argumentativa em que as partes fazem um uso pragmático da linguagem para persuadir o julgador a lhe fornecer uma decisão favorável.
Mas o leitor, pode estar com uma série de dúvidas, tais como: “Como assim, decisão favorável? O juiz não deve simplesmente aplicar a norma e fazer justiça”? “As partes podem simplesmente ‘enrolar’ o julgador com ‘lorotas’ jurídicas?”
Isso pode soar um tanto confuso, mas o fato é que, desde a virada filosófica linguística, não podemos mais falar em formas essenciais da linguagem. O julgador não é um todo-poderoso que simplesmente conhece todos os significados a priori de uma regra jurídica e, simplesmente, faz uma triagem da melhor interpretação possível. Os homens são seres cognitivamente limitados[2]. Os julgadores, por sua vez, também são seres cognitivamente limitados e não dispõem de tal acesso ‘transcendental’ ao sentido e ao alcance de uma norma jurídica. Em suma, os juízes são pessoas sujeitas a incentivos e vieses e, muito do que decidem tende a ser fortemente influenciado pelos argumentos que as partes (autor e réu) trazem nas demandas judiciais[3].
Em suma, as partes influenciam o julgador muito mais do que temos a coragem de admitir normalmente. E, se é assim, quanto maior a qualidade da argumentação trazida por uma parte, maior a perspectiva de que o julgador acolha tal argumento e refute os demais.
Assim, o processo judicial, especialmente na ausência de precedentes, torna-se uma disputa — ou melhor, uma guerra de palavras — em que, à medida que os argumentos de uma parte são acolhidos e se convertem na adjudicação de um bem de vida à mesma (seja numa sentença de procedência, seja numa sentença de improcedência, seja, ainda, no caso de procedência parcial do pedido, onde o objeto da demanda seja passível de cisão), temos uma denegação de tal bem à parte adversa. Numa forma simples: se se acolhe um pedido indenizatório de R$ 10 mil ao autor, o réu deverá ficar sem esses dez mil. Em suma, o processo judicial é um jogo estritamente competitivo (ou jogo de soma zero), onde os ganhos de uma parte correspondem às perdas da outra[4].
E se é assim, de quanto mais recursos financeiros uma determinada pessoa dispor, mais essa se tornará um “alvo fácil” de demandas judiciais a serem propostas por outras. Para usar um jargão que está em voga hoje, é praticamente um bullying institucional.
Não é à toa que a primeira pergunta que alguns advogados fazem para seus clientes, no momento de decidir pelo ajuizamento de uma determinada demanda, é relativa à situação financeira da parte adversa.
Se é assim, essa situação ganha um contorno singular com a União e com as demais pessoas de direito público. Afinal de contas, tais entidades são presumidamente solventes e, assim, são as dotadas de maior liquidez no ambiente socioeconômico brasileiro.
É nesse contexto que entram os honorários de sucumbência.
Os honorários de sucumbência possuem duas funções primordiais, sendo que uma delas é exercida com predominância após a fixação do precedentes e a outra é exercida antes de tal momento.
A primeira de tais funções, uma vez fixado o precedente, é servir como elemento de barganha para que as pessoas afetadas pelo precedente, mas que não tenham judicializado seus conflitos, entrem em solução consensual para prevenção do litígio[5]. Aqui, os honorários aparecem, antes do litígio, como um custo processual que pode ser levado em consideração pelas entre si quando avaliam as possibilidade de ganhos e perdas recíprocas ao decidirem entre celebrar o acordo e ajuizar uma demanda.
Mas é a segunda que nos interessa aqui. E ela consiste em propiciar incentivos para que as partes desenvolvam a melhor linha de argumentação possível para persuadir o órgão julgador. No entanto, essa segunda função é mais eficientemente exercida na medida em que o “advocatus” (isto é, aquele que fala por outrem), também internaliza parte desses ganhos. Certamente, há casos e casos, alguns que já entram com mais perspectivas de ganho para um parte e menos para outra, e vice-versa. Mas isso não descaracteriza o forte incentivo que a titularidade dos honorários de sucumbência para os advogados (sejam públicos, sejam privados) proporciona para uma maior eficiência na apresentação dos argumentos para defesa dos interesses das partes que representam perante o Poder Judiciário.
No campo da Advocacia Pública, e tendo em conta o nível de exposição patrimonial dos entes públicos perante a sociedade civil, é necessário (aliás, é imperativo) que o projeto do CPC aborde a questão dos honorários de sucumbência. Como visto acima, não se trata de “mera política remuneratória”, como querem dizer alguns, mas sim, de elemento de incentivo essencial para incremento de performance argumentativa dos seus membros perante o processo judicial. E, se é assim, a questão relativa à titularidade dos honorários se constitui num elemento essencial do sistema de precedentes que o projeto do CPC visa implementar, uma vez que visa incentivar às partes a trazer, da forma mais eficiente possível, a sua linha argumentativa, o que certamente influenciará a constituição do futuro precedente.
E mais: o papel da advocacia pública na defesa das instituições brasileiras (Congresso Nacional, Poder Executivo, o Poder Judiciário etc.) e na defesa das decisões que tais instituições tomam vem sendo perigosamente negligenciado por elas mesmas, senão vejamos.
Os entes estatais não estão apenas correndo o risco de terem, por via judicial, suas receitas transferidas para entes privados (em ações tributárias, de responsabilidade civil, de pagamento de passivos remuneratórios a servidores etc.). Os entes públicos também correm um risco de sofrerem uma série de vieses políticos por outras instituições do próprio Estado Brasileiro, notadamente o Ministério Público e a Defensoria Pública. Embora a possibilidade de sindicância judicial das decisões políticas tomadas pelo Estado brasileiro faça parte do nosso contínuo como corolário do princípio republicano e do princípio democrático que norteia o nosso ordenamento constitucional, o que nós temos vendo é que tais disputas, que também são disputas judiciais argumentativas, não vem se dando em paridade de armas.
Com efeito, o Ministério Público e, mais recentemente, a Defensoria Pública, estão pautadas por uma série de prerrogativas pessoais e institucionais, das quais os advogados públicos, especialmente os federais, não dispõem, nem de forma infinitesimal. Num cenário em que tais advogados são responsáveis pela defesa do patrimônio do Estado, pela defesa das decisões políticas que ele toma (v.g., Programa Mais Médicos, decisões relativas ao setor de infraestrutura — eroportuária, rodoviária, energética etc.) e pela defesa pessoal dos próprios agentes políticos e agentes públicos que tenham sido injustamente acusados — entre outras atribuições —, o que temos é um nível excessivo de exposição judicial da República perante alguns corpos institucionais que normalmente não são estruturados para considerar holisticamente as repercussões sociais e econômicas das demandas que promovem perante o Judiciário. É inconcebível pensar em desenvolvimento econômico e social da nação com tanto enfraquecimento institucional da advocacia pública nas trincheiras da justiça. Em tempo, a questão dos honorários é apenas uma das várias medidas necessárias para reverter esse déficit.
Aqui fica um questionamento para reflexão: quantos advogados públicos já foram presos por determinação judicial decorrentes de fatos nos quais sequer tiveram participação?
Aliás, um dado aqui é relevante: neste ano de 2012, foram nomeados 160 Advogados da União. Dos 160, quase a metade (60) sequer chegaram a tomar posse. E, na sua maioria, não tomaram posse porque já estavam em carreiras jurídicas que ofereciam melhores incentivos. A isto, somem-se os pedidos de exoneração decorrentes de posse em outros cargos, bem como aqueles que não se sentem motivados com a carreira (e, portanto, não “vestem a camisa”) e estão estudando para concursos públicos para outras carreiras jurídicas. Certamente, fica difícil formar um corpo de pessoal especializado para o exercício de suas atribuições. Isto é, de um quadro de pessoal que, a par do conhecimento genérico exigido nos concursos de ingressos, tenha incentivos para adquirir conhecimentos específicos, essenciais ao eficiente desempenho das funções cometidas[6].
Para um Estado que pretende ser eficiente na concreção de sua missão constitucional, como acontece com o Brasil, temos um cenário alarmante. Dado que as instituições republicanas podem ser sancionadas judicialmente, é necessário que o aparato humano que integre o quadro de advogados de tais instituições esteja em condições de agir prontamente frente as disputas argumentativas trazidas por outras instituições e por agentes privados.
Neste cenário, e á guisa da conclusão, a titularidade dos honorários advocatícios para os advogados públicos não só é um elemento central no sistema de precedentes que projeto do CPC visa instalar. É, também, um elemento que visa aumentar o desempenho do Estado brasileiro (enquanto parte) no âmbito da sua performance no processo judicial.
[1] COOTER, Robert; ULLEN, Thomas. Direito & economia. 5. ed. Trad. Luiz Marcos Sander e Francisco Araújo da Costa. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 460.
[2] SCHUARTZ, Luis Fernando. Norma, Consequencialismo jurídico, racionalidade decisória e malandragem. In: MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto; BARBIERI, Catarina Helena Cortada. Direito e interpretação: racionalidade e instituições. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 385-418
[3] POSNER, Richard A. Para além do direito. Trad. Evandro Ferreira e Silva. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 118.
[4] Cf. BAIRD, Douglas G.; GERTNER, Robert; PICKER, Randal. Game theory and the law. Cambridge: Harvard University Press, 1994, p. 43.
[5] PATRÍCIO, Miguel Carlos Teixeira. Análise Econômica da Litigância. Coimbra: Almedina, 2005, p. 49-51.
[6] Cf., BECKER, Gary S. Nobel Lecture: The Economic Way of Looking at Behavior. The Journal of Political Economy, Chicago, v. 101, n. 3, p. 385-409, jun. 1993.
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